domingo, 23 de agosto de 2020

A violência contra a mulher retratada por meio da arte



PERFORMANCE, CORPO E GÊNERO: A OPRESSÃO DOS CORPOS EM TRÂNSITO 

Cláudia Oliveira 

 

 

                                                 "não se nasce mulher, torna-se...  Simone de Beauvoir 

 

Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir meu sexo?” 

Olympe Gounges 

A pesquisa do processo teórico e prática na arte da performance, busca refletir e investigar o tema da violência contra a mulher a partir de sua invisibilidade. O trabalho intitulado “Performance, Corpo e Gênero: A opressão dos corpos em trânsito”, foi uma criação desenvolvida no meu projeto de TCC no curso de Artes Visuais finalizado em 2015 na Universidade Federal de Uberlândia. Considerando que a violência contra a mulher acontece numa sociedade machista e opressora, onde busquei entender o papel da mulher na sociedade, com foco na privação de seus direitos e autonomia frente aos espaços político-social, públicos ou privados. 

O meu olhar para o tema das violências contra a mulher se justificava por minhas próprias experiências e vivências subjetivas, ("... era menina e crescia com umintuição e  impressão que incomodava no íntimo... ser mulher não era legal...") fazendo arte encontrei-me na linguagem da performance e de forma catártica tentei expressar o que sentia sendo mulher nesse mundo machista... Pela observação das inter-relações em que estamos inseridas socialmente, nas implicações desse contexto social e político que interioriza como cultura o sistema dessa violência simbólica e dominação masculina.  

No dicionário, violência é definida como “(...) constrangimento físico ou moral, uso da força, coação.” O termo velado está definido como “coberto com véu; oculto, disfarçado e dissimulado.  

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2012) existe basicamente duas formas de violência, a física é aquela que pode matar, consistem ferimentos, crime, violência sexual; e a violência simbólica, suave, insensível e invisível.  

Em minha concepção, violência velada diz-se dessa coisa invisível, que muitas vezes eu sentia sem que outra pessoa sequer percebesse como tal, e está contida nas agressões psicológicas impregnadas de corpo e alma nas relações sociais de gênero e opressão que vivemos cotidianamenteSão os insultos, privações, humilhações, constrangimentos, desprezo, e a desvalorização culminante na submissão e redução da nossa autoestima. Essa violência mesmo não sendo física, pode causar danos psicológicos, nos machucar sem se materializar, e por isso não tem sido dada maior importância.                                                                                                                                                                 

A  frase  “não se nasce mulher, torna-se” da autora francesa Simone de Beauvoir (1970), provoca uma reflexão sobre as representações de papéis sociais e aquilo que definimos como atividades masculinas e femininas. O espaço público e social é diferente para homens e mulheres. A mulher não nasce submissa, mas sofre um aprendizado através de condutas impostas, aonde vão sendo domesticadas, permanecendo contidas na ocupação dos espaços e numa postura corporal exigida pela sociedade a que faz parte.  


A Psicóloga Daniela Rozados, que faz parte de um grupo de estudos de gênero da Escola Politécnica da USP, fala sobre como homens e mulheres se apropriam do espaço público de forma diferente. 

O mapa mental da cidade da mulher é menor do que o mapa mental do homem, o espaço público é extremamente condicionado ao gênero. Horários, regiões da cidade, meios de transporte, pontes. Mulheres têm medo de andar em pontes por causa das reiteradas histórias de estupro, por exemplo. Deixam de aceitar trabalhos porque teriam que andar a pé à noite ou pegar um ônibus em um lugar ermo”. 


Os tipos de violência segundo o Mapa de Violência contra a mulher, a violência física é a preponderante, englobando 44,2% dos casos, a psicológica ou moral representa acima de 20%, e a sexual 12,2%. Os números registrados apontam apenas a ponta do iceberg das violências cotidianas que efetivamente acontece, um grande numero nunca alcança a luz pública por não serem reconhecidos ou registrados. Nesse contexto a violência invisível se torna mais perigosa porque é socialmente aceitável e tolerada em nossa cultura, e agravada pela dificuldade em ser detectada. 


 O documentário “The mask you live in” – A máscara em que você mora, aborda esse outro lado da coisa de gênero construído socialmente. O que significa ser homem? Essa masculinidade é a rejeição a tudo o que é feminino. Existe uma ameaça velada dos outros homens se não forem machos o bastante. Falas como “você tem que ir lá e fazer, e não ser mulherzinha”, é bem recorrente nos bastidores dos campos de treinamentos de futebol por exemplo. O que estão ensinando sobre mulher é desvalorização, dominação e agressão do que é feminino 



 Não posso ser justa em relação aos livros que tratam da mulher como mulher. Minha ideia é que todos, homens e mulheres, o que quer que sejamos, devemos ser considerados seres humanos.” Dorothy Parker (Beauvoir, 1970p. 8) 

Inspirada por essa igualdade defendida por Dorothy Parkerexplorei na criação das performances formas de resistir, denunciar e incomodar o outro daquilo que está posto socialmente, provocar reflexões dentro das relações que vivemos, conscientizar sobre violências que muitas vezes passam despercebidas na alienação desse contexto social injusto que somos inseridas. Contudo, para almejarmos nossa autonomia,  precisamos nos colocar no seio dos movimentos sociais, não como vítimas, mas sim, como causadoras, apoiando e nos organizando contra essa alienada submissão e  discriminação simbólica. Na construção temática do meu trabalho, relacionei teoria e prática buscando a materialização conceitual da performance  

Renato Cohen, em seu livro Performance como linguagem diz que, 

 

“O artista é antes de mais nada um relator de seu tempo. Um relator privilegiado, que tem a condição de captar e transmitir aquilo que todos estão sentindo mas, não conseguem materializar em discurso ou obra. (...) Cabe ao artista, captar uma série de “informações” que estão no ar e codificar essas informações, através da arte em mensagem para o público.” (Renato Cohen, 2009, p.87). 

 

Busquei apontar na concepção do meu processo de criação da performance aquilo que me afetava e sofria simplesmente por ser mulher.  Uso meu corpo como elemento potencial na expressão das desigualdades e  sobretudo tais violências veladas que habitam o nosso cotidiano.   

 

Performance “Corpo e gênero: A opressão dos corpos em transito” 

 

A  investigação do processo criativo acontece num jogo corporal dinâmico, uma ação dos corpos no tempo e espaço.  Um corpo feminino que se esforça para desvencilhar-se, libertar e ganhar espaço, expressar para além de um limite imposto, que a retém, arrasta, puxa, cega, imobiliza. Que lugar é permitido para o transito dos corpos distintos?  

performance aborda também o conceito de resistência e aponta as violências veladas vividas no cotidiano da mulher, em um sistema patriarcal que dita o machismo nosso de cada dia, retratando a  dominação, submissão, imposição e controle que somos sujeitadas em todos os espaços e áreas das relações sociais. 


PerformanceCorpo e gênero...  A opressão dos corpos em transito”    Parte II 

 

O tema central  da violência velada contra a mulher é pensado aqui no corpo como a nossa história, que traz também a violência física  presente no trabalho ao usar sangue para desenhar o falo masculino. Em seguida nomes de mulheres são escritos na parede. Um ato catártico para curar a ferida interior por meio do meu próprio sangue.

No primeiro momento furo os dedos com uma agulha e desenho riscando com o sangue. O desenho vai dando forma à intumescência do órgão masculino que se impõe ali, exuberante em sua potencia. Uso meu sangue num ato de resistência e denuncia por meio deste gesto simbólico a mancha de tanto sangue já derramado, de tantas mulheres sacrificadas, anuladas, abusadas e silenciadas, e assassinadas. 

No segundo momento da ação, empunhando uma faca e outros objetos entalhei na parede gravando nomes de mulheres. As rachaduras construídas denotam feridas, violência e destruição. As perfurações e marcas na parede representam pra mim, o que em meu corpo é sentido como feridas internas e psicológicas que dilaceram a alma, incrustadas em nossa memória coletiva ancestral e que nos mantem de certa forma aprisionadas em nossos grilhões. Mas como abordo nesse trabalho outras violências veladas, uso também outros materiais como pincel, canetas e uma pena banhada em tinta vermelha para pincelar a sutileza daquilo que pode ser uma violência psicológica e emocional, invisível até mesmo à própria vítima, pregos e martelos ou o machado que quer abrir um buraco na parede ao escrever o nome Eva, gritando e sagrando toda a dor de toda uma história milenar de violências. Os nomes nos remetem às mulheres da nossa história, vivemos cada uma há seu tempo e contexto, todo tipo de violência. O público é convidado a participar deixando nomes de mulheres que sofreram violência gravados na parede. 

 



A opressão dos corpos em transito...





 Cláudia Oliveira; Wesley Claudino; Emílio Piruá; Silvio Noronha; Teago Iozy
                                                Fotografia Clarissa Borges                                                          




  

 


          Convergência 2015Sesc Palmas TO                      

https://www.youtube.com/watch?v=ofeowzKDPok

https://www.instagram.com/tv/CF3NfWnBflD/?utm_source=ig_web_copy_link

LINK DA PERFORMANCE CORPO E GÊNERO A OPRESSÃO DOS CORPOS EM TRÂNSITO

2 comentários:

  1. A ousadia de usar o sangue (eu não faria...) também foi significativo
    Mas achei, tudo, bem completo e dinâmico

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