quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

 Como parar de usar drogas, os riscos e manejos 

No início do processo de parar de usar drogas, precisamos estar atentos a alguns pontos cruciais, que vão definir a jornada de sucesso ou fracasso desse nosso objetivo.  Geralmente, o uso de drogas  começa como uma diversão, baladas, fins recreativos, ou como fuga da realidade. Mas, de repente a necessidade de consumi-las passa a ser incontrolável, o indivíduo se torna dependente, apresentando distúrbios físicos, emocionais e mental. E com o tempo cria-se tolerância à substância, quer dizer que as doses começam a aumentar cada vez mais pra obter os mesmos efeitos de antes... é aqui que o sofrimento de usar passa a ser maior que o prazer inicial. É onde você começa a  ficar pronto para tomar a decisão, se comprometer e engajar com os desafios do processo de parar de usar... 

Dentro desse contexto trago quatro pontos a considerar e dar maior atenção no momento que começar essa sua empreitada. Primeiro vamos considerar a tomada de consciência do problema, é preciso ter clareza pra você tomar a decisão que se faz necessária para iniciar o processo.   Tornar-se consciente é o primeiro passo para a mudança, e a clareza te dá poder para tomar a decisão e seguir pra ação rumo ao estado desejado. O que você precisa para despertar, e perceber os danos e prejuízos que estão acontecendo na sua vida? Quais os malefícios, dor, perdas vem tendo? Porque é esse sofrimento, esse desconforto que pode fazer você acordar . Um momento de dor e sofrimento, onde sua ferida interior é afetada, pode desencalacrar toda uma onda de desconforto que tira você da zona de conforto. Para mim, foi quando senti uma grande rejeição devido aos meus comportamentos inadequados em um boteco e fui rechaçada dali, sofrendo uma vexação pública, o que me despertou, um estalido da consciência, que clareou como estava vivendo de forma muito medíocre, escravizada e controlada pela droga. 

A pergunta é: Pra quê você usa droga? E não vem com os porquês onde está condicionado a justificativas de porque gosto, porque é bom, ou os brothers é gente boa, porque relaxa, dá prazer ou posso  pagar com meu dinheiro. Historinhas que te mantém nesse lugar de zona de conforto justificando porquê usa. Aqui você tá mentindo pra si mesmo,  um enredo e justificativas que te joga no lugar de vítima,  culpando os outros por seus problemas, muita das vezes não querendo se responsabilizar, contando uma historinha, em que gostaria de acreditar, mas, que não é a verdadeira causa. Quando você olha para o pra quê, você pode chegar na causa verdadeira e enxergar com maior profundidade o quê está por trás, oculto pelas justificativas de uso. E começa a perceber esse algo em você que acredita  precisar usar drogas. Então, num processo de desidentificação, pode olhar para esse algo,  sentir dentro, no corpo, e chegar mais perto do pra quê, a causa, jogando por terra os motivos e justificativas,  que estão consciente na mente, algo lógico e racional. O Pra quê é uma resposta no corpo e não está consciente, não é racional, muitas das vezes está inconsciente. 

"Percebo algo em mim que acredita que precisa usar drogas." A força de possessão que quer usar, esse é o lugar a ser combatido e eliminado. Desconfia das historinhas que sua mente conta... não é verdade. Você está trazendo suas crenças, ilusões e padrões disfuncionais dos papeis mal adaptativos. Ter Clareza é poder. 


Depois vem o ponto de controle. O que você controla?   Parar de usar é diferente de tentar parar. Assim como uma pessoa que passa vinte anos tentando emagrecer e não consegue, pois, tenta emagrecer comendo de tudo, sem fazer atividade física, sem um planejamento e ação direcionada para aquela  meta específica. Da mesma forma quando você tenta parar de usar usando, fica um tanto difícil resistir à droga a cada vez que oscila. Quando você para de usar, você precisa parar de fazer algumas coisas, como andar com pessoas que usa, ir em local de ativa, sair pra comprar drogas, ou seja, você bate a porta atrás de si. Numa porta entreaberta entra muitos ventos. Quando para de usar não tem que ter uma porta aberta que te leva à droga. O foco é na solução, não no problema. Nesse momento, você precisa suportar a dor do luto pra sustentar a mudança. Parar de usar drogas dói, pois ela tornou algo pra você muito próximo, uma resposta aprendida e adaptativa que muitas vezes funcionou muito bem. Você saía de casa com a droga no bolso, em contato com a pele, tão próximo que sentia seu cheiro, gerava aquela expectativa de usar com os amigos na balada, pertencimento a um grupo de pessoas iguais que te aceitavam como você é, e tinha a droga a  para cada momento, de dor, tristeza, de velório, de festa, de euforia, de solidão, em todas as situações você podia contar com ela, que te fazia companhia, te deixando com o sentimento que queria estar. Então, parar de usar drogas dói, conte com isso ao atravessar esse processo.

 

E chegamos no terceiro momento, o treinamento de habilidades, o enfrentamento do caos, sair da zona do conhecido pra ir pra zona do desconhecido, zona do desconforto, conte com a ambivalência. O que é ambivalência? Forças contrárias que vão exercer poder sobre você. É certo que vai precisar de ajuda, de um guia que já passou pelo processo, e poderá te apontar as armadilhas e perigos do caminho. A mentoria foi criada pra ajudar você nesse atravessamento. Imagina um cruzamento numa via de transito intenso, que foi preciso construir um viaduto para o fluxo de carro fluir melhor. Antes, intercalava-se o lado que dava passagem e o outro que passava, agora com o viaduto as duas vias correm livremente, o transito fluiu. Mas, para chegar nisso foi preciso uma grande obra, asfalto quebrado, montes de terra, buracos na pista, onde trabalhadores e máquinas interditaram as duas vias, o que  causou imenso transtorno  e caos por um bom tempo até ser terminada a obra,  enquanto isso o transito precisou ser direcionado para atalhos das ruas secundárias, um desgaste, muita confusão. Da mesma forma da metáfora do viaduto, a jornada é um processo de desconstrução do velho eu e reconstrução do novo eu. Nesse momento conte com a resistência, que vem do medo do desconhecido... lembra-se que está saindo da zona do conhecido pra zona do desconhecido. Aqui nesse processo do caos inicial, é normal sentir medo. A resistência é algo normal em qualquer processo de mudança. É necessário saber que tem situações que é preciso desviar delas para não cair. Assim como no poema abaixo: 

 

1. 

Ando pela rua. 

Há um buraco fundo na calçada. 

Eu caio... 

Estou perdido... Sem esperança. 

Não é culpa minha. 

Leva uma eternidade para encontrar a saída. 

2. 

Ando pela mesma rua. 

Há um buraco fundo na calçada. 

Mas finjo não vê-lo. 

Caio nele de novo. 

Não posso acreditar que estou no mesmo lugar. 

Mas não é culpa minha. 

Ainda assim leva um tempão para sair. 

3. 

Ando pela mesma rua. 

Há um buraco fundo na calçada. 

Vejo que ele ali está. 

Ainda assim caio... É um hábito. 

Meus olhos se abrem. 

Sei onde estou. 

É minha culpa. 

Saio imediatamente. 

4. 

Ando pela mesma rua. 

Há um buraco fundo na calçada. 

Dou a volta. 

5. 

Ando por outra rua. 


Texto extraído de O Livro Tibetano do Viver e do Morrer, de Sogyal Rinpoche 

 

Há algum controle no processo de atravessamento, e treinar habilidades na criação de novos recursos nos possibilita  enxergar  as armadilhas, e conhecer as situações de alto risco que é nossa próxima ferramenta. 

A manutenção 

Parar de usar drogas é fácil, não tem segredo, qualquer pessoa consegue parar de usar. Então, qual é o desafio a enfrentar? O desafio é continuar parado.  


"Hoje, você pode escolher usar drogas... mas, em algum momento pode não ter mais escolhas. Enquanto há tempo, pode escolher a liberdade." 


Pra isso é importante fazer a manutenção diária. Saber quais são as situações de alto risco  que podem te levar a recaída, vai favorecer e muito pra não se colocar em maus lençóis; antecipar os riscos é algo relevante no processo da manutenção. Pessoas da ativa, locais de uso, como o bar ou a biqueira, são situações estimuladoras que podem fazer você usar, pois, nesse momento você está muito fragilizado para entrar em contato com a droga, e recusar um convite pra usar não  será uma tarefa simples. Evitar a raiva e o estresse no  convívio e no trabalho,  mapear os conflitos familiares,  saber quais respostas adaptativas podem ser trabalhadas. Lidar com os gatilhos mental que podem acionar a fissura,  um forte desejo de usar,   sabendo que assim como a tristeza, a crise de abstinência também passa. E fica mais fácil, se aprender a usar o mecanismo de subir e surfar na onda da fissura,  enquanto ela durar. 



Manejos - A seguir vamos trazer alguns manejos pra você lidar com tais sintomas e situação de alto risco. 


Substituir o prazer –  O uso de drogas nos deixa condicionados a ter prazer imediato, uma resposta do nosso sistema de recompensa cerebral. A questão é que a droga até dá prazer, mas, ela traz um monte de outros problemas e prejuízos junto. Usar drogas é fuga, não querer sentir, e não querer sentir não resolve. E ao tirar a droga o que fica? Vazio, desconforto, angústia que precisa ser olhado, curado, e por vezes vamos ter que suportar as angústias e o vazio existencial natural, todos temos um pouco disso. Então,  buscar mudar de atitudes, fazer algumas simples ações que vão te fornecer o que antes buscou resposta na droga, ou seja, o prazer,  o alívio, extravasar, adrenalina, anestesiar ou amortecer, você  pode conseguir essas mesmas coisas  fazendo um relaxamento, contemplando a natureza, respiração consciente, atenção plena, leitura, atividade física, manter o simples, participando de grupos de apoio. Assim, a droga perde a função e o encanto.


Cultivar estado de presença, se conectar no aqui e agora, nesse momento onde a vida acontece. Viver um dia de cada vez alivia o peso do passado e a carga de ansiedade do futuro. 


Dispositivo Alarme de segurança 

Âncora cinestésica - ativação de estado emocional 

Ancorar memórias de dor e sofrimento que teve no uso.  Pense num gesto e busca na mente tal estado (lembranças). 

Pense nas experiências desagradáveis associadas a droga. Ao atingir o pico do estado emocional negativo faça o gesto, repita o processo e teste sua âncora. 

Ao sentir vontade de usar, acione o dispositivo da memória de dor... e 

imagine-se surfando a onda da fissura. 

Pode fazer o mesmo pra instalar outra âncora de um estado emocional positivo de calma e tranquilidade, ou qualquer  estado emocional que você queira sentir. Pense em outro gesto e busca na mente um estado, lembranças positivas e ancore novamente, dessa vez uma âncora motivadora com vibração positiva que te traga o estado emocional que gosta de estar.

Pensar nos benefícios de parar e nos malefícios do uso. 


Abraçar a dor e querer se transformar é a meta.

É simples, mas não é fácil... não tem mágica. Mas, é muito possível! 



 


CLÁUDIA OLIVEIRA 

PSICOTERAPEUTA ESPECIALISTA EM DEPENDÊNCIA QUÍMICA 

- Mentoria "Existe vida após as drogas"

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Assista o vídeo no meu canal youtube https://youtu.be/g7KUEKd-nUc

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